Arquipélago dos Açores e Litoral Catarinense – Século XVIII a XXI / Joi Cletison

Arquipélago dos Açores e Litoral Catarinense – Século XVIII a XXI

Após a dissolução da União Ibérica em 1640, iniciouse a disputa pelas terras do Brasil Meridional. Na época, as coroas portuguesa e espanhola assinaram o Tratado uti possidetis, reconhecendo que o dono de um território seria quem nele estivesse estabelecido.

Começa, então, a corrida entre Portugal e Espanha para ocupar o território anteriormente demarcado pelo Tratado de Tordesilhas.

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Autor: Joi Cletison

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FESTAS DO DIVINO ESPÍRITO SANTO – Joi Cletison. Historiador, Diretor do Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC

Podemos afirmar, com muita segurança que uma das marcas mais expressivas que a cultura portuguesa legou ao Brasil é a religiosidade. Esta religiosidade se manifesta de várias maneiras, mas o Culto ao Divino Espírito Santo, com devoção à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, é a expressão religiosa desta cultura que está presente praticamente em todos os recantos do nosso país, com traços comuns, bem demarcados e fortemente conceituada. A fidelidade a estes cultos remonta a origens medievais.
No litoral brasileiro podemos encontrar o culto ao Divino Espírito Santo desde o Maranhão até o Rio Grande do Sul, e em direção ao oeste do país podemos citar o interior de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e muitos outros lugares. Encontramos a Festa do Divino Espírito Santo dos índios Karipuna no interior do Amapá, praticamente na divisa com a Guiana Francesa. A Festa dos Karipunas, com nove dias de duração, preserva vários símbolos da festa do Divino Espírito Santo, como a bandeira, coroa, novena em latim, foliões e recolha das esmolas.

Para nos referirmos a este culto no estado de Santa Catarina, teríamos que voltar ao século XVIII, pois foi com a chegada dos primeiros açorianos ao Brasil Meridional (1748/1756) que esta tradição começou a ser praticada aqui. É claro que durante este tempo todo sofreu influências de várias outras etnias que aqui se estabeleceram, incorporando novos elementos. Mas podemos constatar que, apesar de tudo isto, permanece praticamente inalterada, preservando os símbolos, elementos e conceitos do culto ao Divino Espírito Santo desde quando foi instituída no século XIII. Poderíamos citar o Padre Júlio da Rosa, um dos maiores especialistas em festas do Divino no arquipélago açoriano, que ao assistir a Festa do Divino Espírito Santo, na freguesia de Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha em Florianópolis afirmou “Isto é muito nosso, esta cantoria, este ritmo só falta os bodos para ser uma festa nos Açores”. Com esta afirmação vamos tentar fazer um paralelo entre alguns elementos destas festas aqui em Santa Catarina e nos Açores.

Poderíamos começar por falar nos “bodos”. As Festas ao Divino Espírito Santo têm sua essência na fraternidade e igualdade entre todos. E os “bodos” reproduzem exatamente isto. O “bodo” é a distribuição de comida. Nas festas do Divino no arquipélago açoriano são distribuídos pão, carne e vinho para pessoas carentes. E todos os que forem participar da festa poderão comer a sopa do Divino Espírito Santo, a alcatra, o pão e beber o vinho, desta forma, nestes dias, todos comerão a mesma comida e estarão irmanados no espírito da fraternidade e igualdade. Hoje nos Açores ainda se cultiva esta tradição, enquanto aqui em nosso estado se perdeu totalmente. Podemos ressaltar o empenho do Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC, que em parceria com os festeiros da Paróquia Bom Jesus de Nazaré, no município de Palhoça, este ano fez um trabalho com o propósito de resgatar esta tradição. Esperamos que nos próximos anos isto se concretize.

Poderíamos dizer que estes “bodos” se perderam ao longo do tempo. O passo inicial nesta direção foi dado quando o Estado, depois da proclamação da Republica, deixou de manter a Igreja. A partir disto as festas religiosas teriam que dar lucros para manterem a estrutura das paróquias. Hoje a festa religiosa que traz mais recursos para as paróquias é a festa do Divino Espírito Santo, justamente à qual as comunidades têm maior devoção e louvor. Encontramos paróquias que se mantém o ano todo só com os recursos arrecadados numa única festa, a do Divino Espírito Santo.

As irmandades do Divino Espírito Santo, responsáveis há mais de cinco séculos pela organização das festas do Divino nos Açores, têm um poder muito grande e são muito respeitadas pela Igreja. As festas em louvor ao Espírito Santo permanecem praticamente inalteradas neste longo período, justamente pela resistência destas confrarias. Não foram poucas as vezes que se impuseram ao poder da Igreja para cultuar a sua devoção ao Espírito Santo. Nos Açores as irmandades do Divino Espirito Santo são as únicas responsáveis por fazer acontecer as Festas do Divino Espírito Santo. Em Portugal continental, com raras exceções, as festas do Divino Espírito Santo desapareceram justamente por interferências da Igreja. Bem ao contrário disto ocorreu nos Açores, onde as Irmandades do Divino Espírito Santo preservaram o Culto ao Espírito Santo, muitas vezes à margem da Igreja.

Aqui em nosso Estado as Irmandades do Divino Espírito Santo não têm esta expressão e força na organização das Festas. Poderíamos citar apenas três Irmandades em Santa Catarina que ainda resistem ao tempo e hoje, em conjunto com a Igreja, organizam as Festas: Irmandade do Divino Espírito Santo, fundada em 1773 e até hoje responsável pela organização da festa da capela do Divino Espirito Santo de Florianópolis; a Irmandade do Divino Espírito Santo de Santo Antônio de Lisboa, que tem como data de sua fundação o ano de 1927 (após a fusão de outras três irmandades). Atualmente é responsável por fazer acontecer a festa em louvor ao Divino da paróquia de Nossa Senhora das Necessidades de Santo Antônio de Lisboa; a terceira é a Irmandade do Divino Espírito Santo da Paróquia de Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha, que não tem uma data precisa de fundação, mas desde 1860 encontramos registros de seu funcionamento e organização das festas.

Tanto aqui como no arquipélago dos Açores até a bem pouco tempo as mulheres não podiam participar das irmandades. Hoje já foram reavaliadas estas proibições e tanto aqui como lá já se permite a participação de mulheres.

As outras várias dezenas de festas em louvor ao Divino Espírito SantoI. Nestes casos a comunidade, em conjunto com a Igreja, organiza e faz a festa acontecer.

Nas festas do Divino Espírito Santo sempre caminham juntos o sagrado e o profano. Os devotos do Divino pagam suas promessas, fazem oferendas, rezam e mostram a sua devoção à terceira pessoa da Santíssima Trindade, mas também nunca esquecem de se divertir muito nas festas, onde sempre há danças, folguedos e muitas atrações. Nas festas do Divino Espírito Santo em Santa Catarina as “Folias do Divino” ou “Cantorias do Divino” comandam o peditório, conduzem o cortejo, entram na igreja tocando e cantando, inclusive dão autorização para o senhor padre começar a santa missa e fazem tambem a coroação. Para nós as folias do divino são peças fundamentais nas festas. Já nos Açores as folias não tem autorização para entrarem na igreja. Acompanham o cortejo só até a porta da igreja e ali mesmo esperam a sua saída.

O cantador da folia do divino no comando do Culto ao Divino nos remete ao Abade Joaquim de Fiore, criador da doutrina sobre o Espírito Santo que diz: “Na terceira era. Era plena do Espírito Santo, será a era dos monges e não mais dos sacerdotes”. Em Portugal continental, no seculo XVII, a Igreja preocupada com isto divulga a primeira proibição aos foliões nos cultos do Divino. Muitas outras proibições surgiram, o que levou praticamente a extinção do Culto do Divino Espírito Santo na parte continental de Portugal.

Um outro ponto com o qual poderíamos traçar um paralelo entre as festas nos Açores e as que acontecem no Brasil, é a inclusão, ao longo dos tempos, de algumas imagens de santos no cortejo das festas do Divino Espírito Santo. Aqui na localidade de Santo Antônio de Lisboa é comum a padroeira da paróquia Nossa Senhora das Necessidades acompanhar os cortejos e às vezes até ser coroada. Nos Açores, outras imagens acompanham o cortejo das festas também, e é comum encontramos em outras festas religiosas os símbolos do Divino Espírito Santo (coroa, bandeira, etc.) acompanhando o cortejo. Podemos citar a festa de São Pedro, na freguesia de Lages do Pico, onde além do santo comemorado acompanham o cortejo todos os símbolos do Divino. E ao final do cortejo são oferecidas as massas de promessas que chamam de rosquilhas.

É frequente aqui no nosso Estado as festas em louvor ao Divino Espírito Santo realizadas fora do seu calendário original, que é no dia de Pentecostes, por conveniência das comunidades muito próximas ou simplesmente para fazer a festa junto com o padroeiro de sua paróquia. Poderíamos citar como exemplo, a comunidade de Mirim em imbituba, um núcleo primário da colonização açoriana, que realiza a sua festa no mês de novembro junto com a festa do seu padroeiro. Principalmente na Ilha Terceira, nos Açores, onde são realizadas mais de cinqüenta festas ao Divino Espirito Santo ao longo do ano e sempre em freguesias diferentes é comum fazer um arranjo nas datas para cada uma.

A Coroa do Divino Espírito Santo, o símbolo mais imponente do culto ao Divino, é originalmente confeccionada em prata e com apenas quatro imperiais, pois as coroas do império português se caracterizam por ter apenas quatro imperiais. Mas tanto aqui como nos Açores encontramos coroas do Divino Espírito Santo com cinco ou até com seis imperiais. As únicas duas localidades em Santa Catarina que ainda preservam as suas coroas originais com quatro imperiais são: Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha e a igreja do Espírito Santo em Florianópolis. Outra curiosidade sobre as coroas é que em nossas festas temos apenas uma coroa, com isso somente uma pessoa pode ser coroada a cada ano. Nos Açores já encontramos festas com até nove coroas e conseqüentemente nove pessoas podem ser coroadas em uma só festa.

Os Impérios do Divino, são os edifícios onde estão expostos à visitação e veneração a coroa imperial e outros símbolos do culto ao Divino Espírito Santo. Em nosso estado se preservam apenas cinco destas edificações todas na cidade de Florianópolis. A mais original e autêntica está localizada na freguesia de Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha. As outras quatro nas seguintes localidades: Trindade, Lagoa da Conceição, São João do Rio Vermelho e no Campeche. Em dezenas de outras localidades do litoral catarinense também existiam os Impérios do Divino. Tiveram que pagar o preço alto pelo progresso e foram destruídos.

Nestes edifícios, o que mais os notabiliza em sua construção é seu formato cúbico com três portas ou janelas em cada face. Nos Açores, apenas na Ilha Terceira, temos mais de meia centena de impérios do Divino. O mais antigo, construído em alvenaria, é o Império do Outeiro (Angra do Heroísmo, 1670) e em cada império deste acontece uma festa em louvor ao Divino Espírito Santo.

O povo açoriano e seus descendentes espalhados pelo mundo tem uma projunda devoção ao ritual do culto ao Divino Espírito Santo. Mas não é facil distinguir onde acaba a teologia e começa a tradição, pois nestas festa ao Divino a cultura popular atinge o seu expoente máximo, vivida de tal forma que ultrapassa os conceitos da teoria dos dogmas.

Em Santa Catarina esta devoção pode ser constatada em qualquer festa em louvor ao Divino Espírito Santo. Entre os fiéis há a crença que nos dias de festa quem tocar a bandeira ou beijar a pomba do divino receberá uma graça do Espírito Santo. Nestes dias os devotos do divino fazem questão de levar as massas de promessas para casa, muitos cortam pedaços das fitas da bandeira como simpatia para aliviá-los que qualquer mal futuro. Nos Açores esta devoção na terceira pessoa da Santíssima Trindade tambem é extremamente forte. Para reafirmar isto usamos as palavras do senhor Presidente da Região Autônoma dos Açores na conferência de abertura do Congresso Internacional das Festas do Divino Espírito Santo: “Narrar a historia do Culto ao Divino Espírito Santo nos Açores, é narrar a história de um povo nas relações com Deus, com a terra e com ele próprio nas ilhas é o Espírito Santo que marca o antes, o durante e o depois de cada ciclo das atividades populares e é a invocação do Senhor Espírito Santo que mais espontaneamente acode à boca do nosso povo nos momentos de maior aflição”.
Com este breve texto procuramos estabelecer alguns paralelos entre o Culto ao Divino Espírito Santo aqui e nos Açores e mostramos que a religiosidade é uma marca expressiva da cultura lusitana a qual o povo brasileiro absorveu totalmente.

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