Aspectos Urbano-Arquitetônicos dos Principais Núcleos Luso-Brasileiros do Litoral Catarinense / Fátima Regina Althoff

ASPECTOS URBANO-ARQUITETÔNICOS DOS PRINCIPAIS NÚCLEOS LUSO-BRASILEIROS DO LITORAL CATARINENSE
– Arq. Fátima Regina Althoff. Especialista em Conservação e Restauração de Monumentos e Sítios Históricos pela UFBA

Não vamos aqui discorrer sobre as razões históricas da ocupação do litoral de Santa Catarina pelo elemento luso-açoriano, mesmo porque este assunto já foi largamente discutido e documentado por vários historiadores brasileiros, catarinenses e até mesmo portugueses e açorianos.

Convém, no entanto, ressaltar as razões pelas quais estes sítios foram escolhidos.
Constituíam-se a maioria deles em portos naturais abrigados em baías, possuindo posições estratégicas para a defesa do território português ao sul, solos firmes e férteis, além de proporcionarem abastecimento de víveres e água potável.

Em todos os sítios históricos do litoral de Santa Catarina vamos encontrar traços urbanísticos – arquitetônicos comuns, diferenciados apenas pela maior singeleza de alguns e o desenvolvimento de outros. E destes elementos os que mais guardam semelhanças são as praças e as igrejas que nelas se encontram.

No primeiro século da ocupação do litoral brasileiro as cidades foram criadas em lugares altos proporcionando segurança, e o que nelas foi sendo construído teve que se adequar a topografia. Já no século seguinte assiste-se a uma tendência de regularização dos traçados urbanos muito próximo ao xadrez.

As praças aqui adotadas foram de traçado regular na forma de retângulo, com seu lado maior perpendicular ao mar, que se opõe em termos de localização à igreja. A arquitetura de caráter civil distribuiu-se pelas laterais, destacando-se as casas de câmara e cadeia. Da praça partiam perpendicularmente as demais ruas, interceptadas por outras no sentido contrário

Podemos a grosso modo classificar as povoações litorâneas segundo três tipos de iniciativas distintas: as fundações vicentistas e luso-brasileiras, as freguesias criadas a partir do estabelecimento de contingentes de imigrantes açorianos e aquelas criadas para a exploração econômico-produtiva, representadas pelas atividades da pesca da baleia, as chamadas armações de baleias.

As primeiras povoações do litoral do estado foram fundadas por vicentistas e portugueses em meados do séc. XVII, sendo elas: Nossa Senhora da Graça do Rio São Francisco (São Francisco do Sul), Nossa Senhora do Desterro (Florianópolis) e Santo Antônio dos Anjos da Laguna (Laguna).
Já em meados do século XVIII com o agravamento da situação de limites territoriais entre Portugal e Espanha, o engenheiro militar Brigadeiro José da Silva Paes é nomeado para Governador da Capitania de Santa Catarina. Seu governo teve início em 1739, e foi marcado pela iniciativa de construir um sistema de defesa para guardar as duas baías da Ilha de Santa Catarina, além de empreender a vinda do primeiro contingentes de açorianos, com a intenção de povoar este importante ponto estratégico.

Os primeiros imigrantes chegaram em 1748, para povoar a Ilha de Santa Catarina e alguma localidades do continente fronteiro. A partir desta data vários núcleos, denominados freguesias, foram fundados pelos açorianos. Dentre os primeiros podemos destacar Nossa Senhora do Rosário de Enseada de Brito (1750), Lagoa da Conceição (1750), na Ilha de Santa Catarina , São Miguel “da terra firme” (1750), São José “da terra firme” (1751), Freguesia da Vila Nova e Sant’ana do Mirim (1752), Santo Antônio de Lisboa (1755), e São João Batista do Imaruí (1833).

A Provisão de 9 de agosto de 1747, determinava ainda que cada casal de imigrantes recebesse o equivalente a ¼ de légua em quadro para seu estabelecimento e o cultivo dos gêneros de primeira necessidade. No entanto, segundo relatos do Brigadeiro Silva Paes, os casais satisfaziam-se com muito menos, para ficarem mais próximos de seus patrícios. As dificuldades também se impunham na demarcação das terras por falta de geógrafos e engenheiros, além das matas que se apresentavam como fortes obstáculos para a exploração.

Uma característica peculiar na implantação das freguesias diz respeito ao posicionamento da vila voltado para o poente, de costas para o mar, fato este surpreendente, numa costa que se estende inteiramente ao nascente.

Na arquitetura não se pode afirmar existir uma influência açoriana direta no que aqui se construiu, mesmo porque a gênese das edificações açorianas é a mesma que a de Portugal continental.

Partindo-se da evidência que a arquitetura regional, de origem rural das Ilhas dos Açores, mais difundida é a casa de pedra coberta de palha, e que o homem que aqui se fixou era igualmente de origem rural, não podemos afirmar que aqui existiu arquitetura semelhante.

Têm-se registro de que em alguns assentamentos a primeira morada do imigrante foi de pau à pique, o que pode ser atestado em documento do Governador Manuel Escudeiro à Corte de Lisboa, no ano de 1751, sobre o os casais assentados na localidade de Magalhães (Laguna), que aí se negaram a ficar pela falta de barro para construírem suas casas.

Nos núcleos urbanos, os lotes possuíam pequena testada e grande profundidade. As edificações eram construídas no alinhamento da rua e por razoes de segurança e economia, geminadas, configurando um continuo correr de casas muito semelhantes.

O partido arquitetônico adotado em terras catarinenses, em conjunto ou isolado, é o da casa térrea e do sobrado com cobertura em duas águas, cumeeira paralela à rua, em telhas cerâmicas do tipo capa-e-canal. Das alvenarias de pedra e /ou tijolos, rebocadas e caiadas de branco, sobressaem as aberturas contornadas de cores fortes e vibrantes, vinho, ocre, marrom, verde-escuro e azul-escuro.

Alguns detalhes construtivos de origem lusa muito utilizados, tornaram-se emblemáticos, no entanto são freqüentemente associados à morada açoriano-brasileira, como o teto de telhas vã, sem forro, a beira – seveira, espécie de cimalha que funciona como beiral no formato de telhas superpostas, além da terminação em peito de pombo dos beirais das edificações mais requintadas.

Os sobrados seguiam o mesmo padrão, sendo porém, dando lugar ao comércio no pavimento inferior. Eram, na grande maioria, edificações austeras, sem decorações. A fachada principal era fortemente marcada pela cimalha abaixo do beiral e pelos grossos cunhais, faixas verticais sobressalentes nos cantos da edificação, além dos marcantes requadros das aberturas, geralmente em madeira ou excepcionalmente em pedra.

As armações de baleia foram núcleos criados com a finalidade de produção para abastecimento do mercado colonial e da metrópole. Estas localidades se constituíam do espaço para a produção propriamente dito e a área de convívio, com residências, templos oficinas e armazéns. Além do espaço conformado pelas edificações, existia aquele destinado ao plantio e beneficiamento dos gêneros alimentícios consumidos nas armações, tanto agrícola quanto da pecuária. Esta área era denominada “sítio da fazenda”. Sua localização e extensão dependiam das possibilidades topográficas locais. As matas próximas eram devastadas e a madeira utilizada como lenha para o derretimento da gordura e ainda empregada na construção de edificações, embarcações e mobiliário.

A configuração urbanística e arquitetônica destes sítios, apesar de possuírem edificações que se repetiram, para cumprir as mesmas funções, foram distintas, dependendo da escala de produção da armação. No entanto, para a produção, não podiam prescindir de duas unidades essenciais, o Engenho de Azeite e a Casa de Tanques.

No litoral catarinense a atividade baleeira situa-se em dois períodos, o período do Monopólio – séc. XVIII e o das armações criadas nos séculos XIX e XX.
Desta atividade produtiva surgiram outros centros e localidades, igualmente importantes para a caracterização urbano-arquitetônica do litoral e para onde também afluiu o contingente luso-açoriano, como Armação de São Joaquim de Garopaba, Armação de Santana de Imbituba ao sul, além de Armação Grande ou de Nossa Senhora da Piedade em Governador Celso Ramos, Armação da Ilha do João Cunha em Porto Belo, e Armação de Itapocorói no município de Penha, ao norte.
Na maioria dessas cidades, o início do séc. XX traz consigo muitas mudanças na arquitetura e no urbanismo.

Este período é marcado pela adoção de novos valores estéticos e ornamentais, além de inovações de ordem da comodidade e da higiene. Influências do estreito contato cultural com a Europa através, principalmente, da abertura dos portos que proporcionaram o acesso e atualização de materiais e de tecnologias.

As antigas edificações começam a ganhar nova roupagem, mesmo que, em alguns casos, as fachadas não consigam esconder a estrutura colonial original. Pouco a pouco a arquitetura foi se liberando dos limites do lote, com recuos laterais e frontais. O nível térreo é elevado buscando dar mais privacidade às residências, criando-se o porão alto. A entrada principal passa a se dar pela lateral.

As edificações se revestem de roupagem romântica neogótica, neoclássica,e os chalés entram na ordem do dia. São introduzidos ornamentos em profusão, moldados em estuque, na forma de cimalhas, florões, pilastras, capitéis, e frisos em geral. Os balcões ganham gradis em ferro e as janelas assumem a transparência das vidraças. Ficando desta forma caracterizado o chamado Ecletismo. Mais tarde as novas tendências do art-nouveau, e do art-dèco vêm simplificar e abrir caminho para a arquitetura moderna.

Hoje a maioria desses núcleos apresenta – se como a superposição dos diversos momentos históricos, tendo como base o período colonial, em alguns deles não restando mais que o traçado das ruas, a igreja e a praça.

No entanto as cidades de Laguna e São Francisco do sul são exemplos de relativa integridade urbano – arquitetônica, pois possuem ainda uma estrutura urbana do período colonial, com um acervo não monumental, mas com inúmeras unidades arquitetônicas deste período, e mesmo com a introdução de exemplares de outros momentos da arquitetura, seus centros históricos mereceram o título de Patrimônio Histórico Nacional.

É necessário também registrar que pela importância que as Igrejas e praças do litoral representam, constituindo-se nos primeiros marcos da ocupação do Estado, a Fundação Catarinense de Cultura protegeu através do Tombamento Estadual as seguintes igrejas: Imaculada Conceição em Itajaí; São João Batista em Armação de Itapocorói, Penha; Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso em Balneário de Camboriú; Bom Jesus dos Aflitos em Porto Belo; Na Sra. das Necessidades-Santo Antônio de Lisboa, Na Sra. da Conceição – Lagoa da Conceição, Na Sra. Da Lapa – Ribeirão da Ilha, São Francisco de Paula – Canasvieiras, Capela de São João – Rio Vermelho, Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, Na Sra. do Rosário e dos Homens Pretos, Capela do Menino Deus e Igreja de Na Sra. Do Desterro – Catedral Metropolitana em Florianópolis; Matriz de São José em São José; Na Sra. do Rosário em Enseada de Brito, Palhoça; São Joaquim em Garopaba; Sant’ana de Vila Nova em Imbituba;e Bom Jesus do Socorro em Pescaria Brava, Laguna.

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