Síntese histórica dos Açores

HISTORIA DOS AÇORES (pequenas referencias)

O problema do descobrimento. O descobrimento dos Açores tem sido um dos problemas mais controvertidos da história das navegações portuguesas. As várias teses que se conhecem a seu respeito podem agrupar-se do seguinte modo: as que sustentam que a revelação geográfica deste arquipélago se terá verificado no segundo quartel do século XIV, no reinado de D. Afonso IV (H. Major, Ferreira de Serpa, etc.); as que afirmam que o descobrimento se terá observado na primeira metade do século XV, por parte de marinheiros do Infante, designadamente por Fr. Gonçalo Velho (cardeal Saraiva, Aires de Sá, etc.); e as que conciliam as duas correntes de opinião (Jordão de Freitas, Velho Arruda, etc.). As primeiras das referidas teses fundamentam-se na existência de vários mapas genoveses onde, a partir de 1351, aparecem debuxadas várias ilhas que muitos investigadores identificam com algumas dos Açores, já pela sua situação, já pelos seus nomes. A existência desses mapas com tais indicações teria resultado do conhecimento dos Açores, por ocasião do regresso das expedições feitas às Canárias, no tempo de D. Afonso IV, por marinheiros genoveses ao serviço de Portugal. As teses que defendem o descobrimento dos Açores como obra dos marinheiros do infante D. Henrique e, de um modo expresso, por Fr. Gonçalo Velho, baseiam-se essencialmente na tradição oral que o cronista micaelense Gaspar Frutuoso terá recolhido no arquipélago, na segunda metade do século XVI, sendo de acentuar que muitos escritores portugueses, como Azurara, Duarte Pacheco Pereira e outros, nunca citam o nome de Gonçalo Velho. Frutuoso e os historiadores que lhe seguiram os passos opinam que o início das explorações atlânticas para os Açores data de 1431. As teses ecléticas consideram que o descobrimento se terá verificado realmente no tempo de D. Afonso IV e que as viagens feitas por ordem do infante D. Henrique teriam dado lugar a um simples reconhecimento. O mapa de Beccario, por exemplo, datado de 1435, assinala a maior parte das ilhas dos Açores como “insule de nuovo reperte”. A última palavra acerca deste problema foi preferida pelo Prof. Damião Peres, que, lendo atentamente a discutida inscrição da Carta de Valsequa (datada de 1439), defende que “estas ilhas foram achadas por Diogo de Sunis (ou de Silves), piloto de el-rei de Portugal no ano de 1427” (Descobrimentos Portugueses). Por esse motivo é atribuído a Gonçalo Velho, depois primeiro capitão donatário das ilhas de S. Miguel e de Santa Maria, o papel, de não menor importância, de lançador de gados e de colonizador. Pela Carta Régia de 2 de Julho de 1439, passada pelo infante D. Pedro, quando regente na menoridade de D. Afonso V, verifica-se que eram apenas em número de sete as ilhas açorianas conhecidas. Na verdade, apenas em 1452 as ilhas mais ocidentais do arquipélago (Flores e Corvo) seriam descobertas ou reconhecidas por Diogo de Teive.

Povoamento e colonização. O primeiro documento oficial que se conhece a respeito do povoamento dos Açores é a citada Carta Régia e 2 de Julho de 1439. Aí se diz que o infante D. Henrique já havia mandado lançar ovelhas “nas sete ilhas dos Açores” e que impetrara licença para providenciar sobre o povoamento das mesmas. Seguem-se vários documentos semelhantes em confirmação daquele, alguns deles concedendo regalias especiais aos primeiros povoadores. As primeiras ilhas povoadas foram as de Santa Maria e de S. Miguel, com famílias idas, por intermédio de Gonçalo Velho, da Estremadura, do Alto Alentejo e do Algarve. Quando Gonçalo Velho faleceu, a capitania daquelas duas ilhas passou para um seu sobrinho, João Soares de Albergaria, o qual, por falta de energia, se viu forçado a “vender” a capitania de S. Miguel a Rui Gonçalves da Câmara, em 1474. Dai a ida para S. Miguel de muitas famílias madeirenses e, com estas, a observância de um apreciável desenvolvimento social e econômico. O povoamento da ilha Terceira teria começado em 1460, sob a direção do flamengo Jácome de Bruges, que levara consigo muitas famílias portuguesas. Relativamente à ilha Graciosa, deveu-se o seu povoamento a Pedro Correia e Vasco Gil Sodré, anteriormente a 1510, contribuindo para essa tarefa muitos elementos das respectivas famílias. Quanto às ilhas do Faial e do Pico, foram elas doadas, pouco antes de 1466, ao flamengo Josse Van Huertere (Joz de Utra), casado com Beatriz de Macedo e sogro do famoso Martinho da Boêmia. Na sua companhia teriam vindo muitos flamengos, dentre os quais se destacou Wilheim Van der Haagem (Guilherme da Silveira), que, por desinteligências com aquele, se passou às Flores e desta para a Terceira e S. Jorge, promovendo, desse modo, os primeiros trabalhos de povoamento das ilhas das Flores e de S. Jorge.

O povoamento da pequena Ilha do Corvo ter-se-ia verificado por simples extensão do povoamento das Flores. Sabe-se, portanto, que o povoamento das ilhas açorianas se deveu a portugueses de várias províncias do Reino e também, de uma maneira considerável, a elementos flamengos, circunstância que se explica pela intervenção de D. Isabel, condessa da flandres e mulher de Filipe de Borgonha, junto de seu irmão o infante D. Henrique, primeiro donatário dos Açores. Também nesses primeiros tempos de vida humana nos Açores teriam participado do povoamento elementos mouros e judeus. No decurso dos séculos a população açoriana seria refrescada com elementos de várias origens, em reduzidas proporções, como italianos e castelhanos, franceses e ingleses, escocesas, norte-americanos, etc. (cf. Frutuoso, Luís Ribeiro, etc.). O elemento flamengo, não obstante o seu grande número, depressa seria absorvido, quanto a língua, costumes, etc., pelo elemento nacional.

Exploração econômica. A exploração econômica do arquipélago iniciou-se conjuntamente com os primeiros trabalhos do povoamento. Todas as ilhas, ao tempo do reconhecimento, se encontravam cobertas de denso arvoredo, que foi logo aproveitado para exportação e, sobretudo, para a construção naval, pois foram muitos os estaleiros que se armaram ao longo do litoral das mesmas ilhas. As queimadas e os arroteamentos cedo começaram também, sendo a cultura do trigo a primeira que se praticou em larga escala, com grandes exportações de cereal, já no século XV, para o Reino e praças de África. Ainda no mesmo século, regista-se o início da cultura e da indústria do pastel, cujo produto final, uma anilina que se exportava de preferência para a Flandres, foi uma grande fonte de rendimento para os Açores. A exploração e exportação da urzela e o início da cultura da cana-de-açúcar registram-se igualmente nessa centúria. O século XVI é caracterizado por um grande desenvolvimento social e econômico. Várias povoações são elevadas a vilas e duas destas (Angra do Heroísmo e Ponta Delgada) elevadas a cidades. A exploração do pastel e da urzela atinge o seu apogeu; a cultura do trigo começa a declinar a cana-de-açúcar também decai; as vinhas de castas européias multiplicam-se consideravelmente; introduzem-se o inhame e a batata doce; fazem-se as primeiras viragens das terras e as primeiras siderações com tremoço; plantam-se os primeiros pinheiros e formam-se as primeiras “quintas”, com a introdução de muitas e variadas fruteiras, especialmente citrinos. No século XVII registra-se acentuado declínio na cultura do pastel, embora as culturas do linho e da laranjeira mostrem já um certo predomínio. É neste século que se introduz o milho nos Açores e que se registram vários cataclismos vulcânicos, que, por sua vez, determinam as primeiras emigrações para o Brasil. No século XVII realizam-se as primeiras exportações de laranja, intensificam-se as plantações de matas de pinheiros, introduz-se a cultura da batata e o cultivo do linho beneficia de novos alentos. A caça à baleia começa neste século. No século XIX a cultura e o comércio da laranja conhecem o seu apogeu e o seu declínio; as vinhas européias mostram-se arruinadas e são quase todas substituídas por vinhas americanas; introduzem-se novas espécies bovinas e começam a melhorar-se as pastagens. Na ilha de S. Miguel é fundada a Sociedade Promotora da Agricultura; introduzem-se muitas espécies silvícolas de grande rendimento e também as culturas do chá, da espadana, do tabaco e do ananás. O armentio melhora consideravelmente e a indústria dos lacticínios tem o seu começo; industrializa-se a batata doce (fábricas de álcool); registram-se os primeiros ensaios da cultura da beterraba sacarina e observa-se, no final da centúria, grande movimento emigratório para o Brasil, Estados Unidos da América do Norte, Hawai, etc. Os primeiros 50 anos do século XX caracterizam-se pelas oscilações da cultura do ananás, pelo início do fabrico do açúcar da beterraba, introdução da cultura da chicória, intensificação das culturas cerealíferas, melhoramento do armentio, grande desenvolvimento da indústria dos lacticínios e da pesca, emigração para o estrangeiro, etc.

Principais acontecimentos históricos ligados à história pátria. Os Açores contribuíram para a história pátria não só com a sua revelação geográfica e com o seu povoamento, mas igualmente com vários acontecimentos ocorridos nas suas ilhas. Logo alguns decênios após o início do seu povoamento, já os Açorianos marcavam a sua presença na conquista e na defesa de várias praças portuguesas do Norte de África, conforme consta das Saudades da Terra, de Frutuoso. Durante os fins do século XV e parte da centúria seguinte as ilhas dos Açores desempenharam papel de relevo no tocante às viagens de exploração para o ocidente. Foi dos Açores que partiram os irmãos Cortes Reais, João Fernandes Labrador e outros. No regresso da sua primeira viagem, Colombo demorou-se com os seus navios na ilha de Santa Maria. Em virtude da sua posição geográfica, os Açores tiveram igualmente muita importância nas viagens de retorno da índia. Daí a freqüência, nos mares açorianos, de corsários argelinos, franceses e ingleses, que atacavam não só os navios portugueses vindos da índia e do Brasil, como as populações indefesas do litoral das ilhas. No final do século XVI foi em Angra do Heroísmo que se registrou o último ponto de resistência a Filipe II. Para ali se dirigiu D. Antônio, prior do Crato, apoiado por uma armada francesa comandada por Strozzi, armada que travaria em frente de Vila Franca do Campo (S. Miguel) a famosa batalha naval de que o marquês de Santa Cruz saiu vitorioso (27-7-1582). Após o domínio total dos Açores os Castelhanos organizaram um governo-geral, com sede em Angra do Heroísmo. Em 1589 e 1597 as armadas inglesas dos condes de Cumberland e de Essex fariam as maiores depredações nalgumas ilhas, especialmente na do Faial. Decorridos os 6O anos de domínio filipino, e aclamado D. João IV, as ilhas dos Açores imediatamente aderiram ao movimento restaurador, verificando-se, porém, grande resistência dos castelhanos sitiados na fortaleza principal da cidade de Angra do Heroísmo. As guerras da restauração sacrificaram muitos açorianos que se distinguiram não só no Reino, como também no Brasil. Em 1669 era encerrado na referida fortaleza de Angra do Heroísmo o infeliz D. Afonso VI, donde seguiu para Sintra após seis anos. As reformas pombalinas chegaram também aos Açores com algumas medidas de caráter econômico e religioso. Pelo Decreto de 2 de Agosto de 1766 os Açores passaram a ser governados por um capitão-general com residência em Angra do Heroísmo. A revolução de 1820 teve repercussões no arquipélago, sobretudo na ilha Terceira. Na Vila da Praia, em 1829, travou-se uma grande batalha entre miguelistas e liberais, com a vitória destes últimos. Em 1830 era formado na Terceira um conselho de regência e em princípios de 1832 chegava aos Açores D. Pedro IV, aí formando um governo sob a presidência do marquês de Palmela e de que fazia parte Mouzinho da Silveira, coadjuvado por Almeida Garrett. As grandes e discutidas reformas deste último foram todas promulgadas nos Açores, que passaram a constituir uma província. Nos fins do século XIX passaram o Açores a ter um regime especial de administração. Durante as duas guerras mundiais do presente sáculo o arquipélago desempenharia papel de relevo a favor dos países aliados. Alguns grandes vultos portugueses, como Ávila e Bolama, Sena Freitas, Antero de Quental, Teófilo Braga, Manuel de Arriaga etc., nasceram nos Açores no decurso do século XIX, o mesmo acontecendo nas centúrias anteriores, com bispos, missionários e guerreiros que, principalmente no Oriente, tiveram ações da maior importância.

Bibliografia:
Aires de Sã. Frei Gonçalo Velho Lisboa (2 Vols).
P. Antônio Cordeio. História lnsulana, Lisboa, 1717.
A. Ferreira de Serpa. O Descobrimento dos Açores, Porto, 1925.
Arquivo dos Açores, “Colecção Pta. Delgada” (15 Vols.).
Boletim C. R. C. A. A.” Coleçção Pta. Delgada” (28 tornos).
Cardeal Saraiva. Índice Cronológico das Navegações, etc Lisboa. 1841.
Damião Peres. História dos Descobrimentos Portugueses , P. Delgada, 1890.
Ernesto do Canto, Biblioteca Açoriana , Pta. Delgada, 1890.
F. Ferreira Drumond. Anais da Ilha Terceira, Angra (4 Vols.).
Gaspar Frutuoso. Saudades da Terra, Vols III e IV.
Henry Major. Vida do Infante D. Henrique , Lisboa, 1876.
Jordão de Freitas. As Ilhas do Arquipélago dos Açores na História da Expansão Portuguesa, Lisboa.
Luis da Silva Ribeiro. Formação histórica do povo dos Açores, in Açoriana, Angra, 1941.
Manuel Monteiro Velho Arruda. Colecção de Documentos Relativos ao Descobrimento e Povoamento dos Açores, Ponta Delgada, 1932.
In Diccionário de História de Portugal – Direcção de Joel Serrão.

Ainda sobre a história dos Açores, veja também o artigo de Francisco R. Maduro-Dias