Artigo de Dr. Maduro Dias

O Arquipélago dos Açores fica situado cerca de 1500 Km a Oeste da Península Ibérica (Lisboa), sensivelmente entre os paralelos 37 e 39 Norte.

Isto quer dizer que a ilha de Santa Maria, no extremo Sudeste, está aproximadamente no mesmo paralelo do Algarve (Sagres), enquanto o Corvo, a Noroeste, fica mais ou menos na mesma altura de Leiria.

São 600 Km de Santa Maria ao Corvo, pelo que os simples somatórios das superfícies (2 333 Km2) ou da população das ilhas (cerca de 240 000 habitantes) são enganadores quanto ao real posicionamento do arquipélago no contexto atlântico e à dispersão, geradora de inevitáveis dificuldades e ao mesmo tempo de particularidades culturais que diferenciam cada ilha das suas irmãs.

Os Açores são 9 ilhas, a saber:
Grupo Oriental: S.ta Maria (97 Km2), S. Miguel (757 Km2);
Grupo Central: Terceira (402 Km2), Graciosa (62 Km2), S. Jorge (246 Km2), Pico (447 Km2), Faial (173 Km2);
Grupo Ocidental: Flores (143 Km2 ), Corvo (17 Km2).

Geologicamente, o processo de formação das ilhas parece ter-se iniciado na passagem do Cretáceo para o Cenozóico e, como arquipélago de origem vulcânica, a paisagem, cheia de tons de verde, castanho e preto, é pontilhada de cones vulcânicos, sejam pequenas chaminés, seja a montanha da Ilha do Pico, que, com os seus 2341 m de altura, é a montanha mais alta do Arquipélago e do País.

As ilhas têm várias formas, desde a quase circular até à muito alongada, resultantes dos diversos maciços vulcânicos que, interligados, as constituem. A maioria das vezes apresentam costas com rochas alcantiladas a Oeste e Norte, descendo em declives mais suaves para Sul e Nascente.

Situado no ponto de intersecção das placas tectónicas europeia (Terceira, Graciosa, S.Jorge, Faial e Pico), africana (S. Miguel e S.ta Maria) e americana (Flores e Corvo), o arquipélago dispõem-se em arco alongado, sobre a cordilheira submarina dorsal atlântica.

O clima é temperado atlântico, fortemente influenciado pela Corrente Quente do Golfo do México, com temperaturas médias anuais da ordem dos 17o C e uma humidade relativa cuja média também anual é de 79%.

Com estas condições, facilmente a vegetação se torna exuberante e, sobretudo a partir de finais do Séc. XVIII, foi mesmo possível introduzir espécies tropicais ou subtropicais com êxito.

O solo, de origem vulcânica, ocupado antes do descobrimento por uma floresta de tipo atlântico, que ainda pode reconhecer-se por algumas manchas existentes em várias ilhas, nomeadamente numa, localizada no topo da Serra de S.ta Bárbara, na Ilha Terceira, ora é fértil ora é recoberto por um manto de lava recente – o chamado biscoito – só aproveitável para vinhedos ou matas.

Basalto, traquito, tufos e bagacinas completam o quadro do ponto de vista das rochas que é possível encontrar e de que os habitantes fizeram uso.

A origem vulcânica leva a que em várias ilhas existam manifestações fumarólicas, fontes de água termal e túneis e cavernas no subsolo, às vezes de grande beleza.

O sistema de ventos nesta zona do Atlântico central é predominante do quadrante Oeste, rodando por vezes para Sul.

No Atlântico, aliás, os ventos rodam no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio no hemisfério Norte, no sentido dos ponteiros ao centro e novamente ao contrário no Atlântico Sul.

Existem, assim, três rotas possíveis para deixar a Europa: pelo Norte como os vikings, pelo centro, rumo às Caraíbas como fez Cristóvão Colombo e para Sul como fizeram os portugueses. Só uma, porém, permite regressar e essa passa pelas ilhas dos Açores.

Pode dizer-se, com justeza, que, sem a hábil conexão desses ventos do Atlântico, a chamada “volta das ilhas” não teria sido possível, o oiro e a prata das Américas ou as especiarias das Índias não teriam atravessado, durante séculos, o Atlântico nestas latitudes e as cidade de Angra nunca teria chegado a ser a “Universal escala do Mar do Poente”, como disse o cronista Gaspar Frutuoso, ou seja, a escala obrigatória das rotas transatlânticas, designadamente dos impérios ibéricos.

O povoamento fez-se, por razões climatéricas e de comunicações, a baixa altitude, (até cerca dos 250 metros aproximadamente), bordejando as ilhas e ocupando vales e enseadas, ao redor dos maciços montanhosos centrais, dispondo-se as casas como que numa renda branca ao longo das estradas, sobretudo litorais.

A proveniência precisa dos povoadores, portugueses na sua quase totalidade, permanece algo incerta, já que elementos típicos do sul do País se cruzam com costumes mais característicos do centro e norte. Algarvios, Alentejanos, Beirões e Minhotos parecem ser as principais origens que, agrupando-se em certas ilhas contribuíram para a diversidade de costumes que hoje se detectam. A esse forte contingente populacional, devem acrescentar-se as contribuições, fracas mas existentes, sobretudo de flamengos (ainda no Séc. XV) e de alguns franceses da Bretanha, também nos inícios da ocupação humana.

Dois níveis principais marcam a paisagem, fortemente agrícola e quase sempre dividida em quadrículas bordejadas de muros de pedra seca designadas de currais ou curraletas, cerrados ou pastos consoante a menor ou maior dimensão. Até cerca dos 300 metros de altitude, é predominante a policultura; a partir daí passa-se para pastagens que actualmente, devido ao desenvolvimento da pecuária, descem quase até à costa em muitos pontos e, onde a terra não dá ou não convém, surgem matas ou vinhedos se o “biscoito”, a exposição ao sol e o microclima dessa zona são favoráveis.

O Arquipélago dos Açores constitui desde 1976 uma Região Autónoma da República Portuguesa, criada a partir dos antigos Distritos Autónomos de Angra do Heroísmo, Ponta Delgada e Horta.

A estrutura governativa assenta numa Assembleia Legislativa Regional com sede na Horta e num Governo Regional com sede em Ponta Delgada e cujas Secretarias Regionais se distribuem pelas três cidades de Angra do Heroísmo, Ponta Delgada e Horta, os tradicionais centros administrativos do Arquipélago.

O quadro político completa-se com o Ministro da República para os Açores, com sede em Angra do Heroísmo, a quem competem, genericamente, a representação da Soberania e a coordenação dos serviços não regionalizados (Justiça, Serviço de Estrangeiros, Finanças, etc.).

Por Bula de 1534 do Papa Paulo III “Equum reputamus”, os Açores constituem uma Diocese com sede em Angra.

Nesse mesmo ano, a então Vila de Angra foi elevada à categoria de cidade, por carta de foral concedida em Évora a 21 de Agosto de 1534, por El-Rei D. João III, tornando-se na mais antiga cidade dos Açores.

Seguir-se-iam, Ponta Delgada, na Ilha de S. Miguel, 1546; Horta, na Ilha do Faial, 1833; Ribeira Grande, na Ilha de S.Miguel, 1981; e Praia da Vitória, na Ilha Terceira, 1981.

O início do conhecimento dos Açores é incerto.

Muito embora, sobretudo nos finais da Idade Média europeia, existam mapas representando ilhas, dispersas ou agrupadas, nesta zona do então chamado Mar Oceano, não dispomos de elementos seguros que possam confirmar se isso indica a passagem, mesmo que acidental, de navegantes trazidos por alguma tempestade ou se se trata apenas de ilhas fantásticas.

Essas representações ou conhecimento não deram, contudo, origem a qualquer movimento migratório de povoamento até à primeira metade do Séc. XV quando encontramos por exemplo uma carta anónima de c.1424 indicando já os Açores com bastante exactidão e, na Carta de Gabriel de Valsecca, datada de 1439 a referência : ” Estas ilhas foram achadas por Diogo de Silves (ou Sunis?) piloto de El-Rei de Portugal no ano de 1427 “.

Atribui-se a Gonçalo Velho Cabral, primeiro Capitão do Donatário das ilhas de S. Miguel e S.ta Maria, o início do povoamento, feito a partir de 1432.

As sete ilhas dos Açores a que se refere a Carta Régia de 2 de Julho de 1439, passada pelo Infante D. Pedro na menoridade do Rei de Portugal D. Afonso V, só em 1452 é que passam a ser nove quando Diogo de Teive, vindo de Ocidente, encontra as ilhas das Flores e Corvo, designadas mesmo durante algum tempo como ilhas floreiras.

Durante o resto do Séc. XV os Açores vão sendo lentamente povoados, na mira de aí Portugal obter o trigo que faltava para abastecimento do reino e, sobretudo, das praças fortes que dominava na costa de Marrocos.

Só com o progressivo aparecimento dos navios que, em regresso do Golfo da Guiné, tinham de subir a estas latitudes para encontrar ventos favoráveis a caminho da Europa, é que a vocação do arquipélago muda de celeiro para a de entreposto vigilante e protector a meio do Atlântico.

Vasco da Gama. no seu retorno da Índia em 1499, passa por Angra onde deixa sepultado o irmão. Já antes, em 1492, Cristóvão Colombo, passara por S.ta Maria no regresso das Caraíbas.

Descoberto o modo e o caminho, a que irá chamar-se, como dissemos, “a volta das ilhas”, todos ou quase todos os navios portugueses, transportando as múltiplas riquezas da Guiné, Índia, Ceilão, Japão, China, Malaca, etc. passam a utilizar as duas baías fronteiras a Angra na Ilha Terceira para reabastecimento, reparação de estragos e protecção contra os piratas. A eles vêm juntar-se, a partir de meados do Séc. XVI, os galeões espanhóis com a prata das Índias Ocidentais, num percurso que se iniciava em Cartagena das Índias, passava por Porto Rico e Angra, e terminava em Sevilha.

Por essa razão é criada ali em 1521, pelo Rei de Portugal, uma Provedoria das Armadas da Índia, com funções vastas, nomeadamente apoiar o reabastecimento dos navios e coordenar a “armada das ilhas”, conjunto de navios de guerra cuja tarefa era proteger dos numerosos piratas entretanto surgidos as riquezas em passagem.

As primeiras fortificações -S. Sebastião em Angra e S. Brás e Ponta Delgada-, construídas em razão deste papel, são já de traça moderna, com baluartes e espaço para a manobra da artilharia.

Integrado no vasto sistema transatlântico de comércio estabelecido por Portugal, o arquipélago vai atingir o auge do seu desenvolvimento quando em 1583, depois de três anos em que algumas ilhas se mantiveram partidárias da independência, Filipe II de Espanha se tornou também Rei de Portugal.

Durante os sessenta anos em que se manteve a “união ibérica” (1580-1640), toda ou quase toda a navegação de origem ultramarina de ambos os impérios coloniais peninsulares passou pelos Açores, tornando o arquipélago num quase vespeiro quer de navios de comércio e de guerra às ordens de Portugal e Espanha, quer de piratas e corsários de origem francesa, inglesa e holandesa.

Os núcleos urbanos crescem, modernizam-se, enchem-se de conventos, mosteiros, igrejas, capelas e casas senhoriais, e as ilhas ganham definitivamente um certo ar ultramarino, o que não é de estranhar atendendo à origem dos navios chegados aos seus portos.

Habitantes oriundos dos Açores espalham-se, como os seus compatriotas do território continental do reino, pelas índias de Castela, aproveitando-se do facto de o soberano ser o mesmo.

A preocupação evidente que Espanha tinha de conservar e proteger os navios em passagem é ainda hoje perfeitamente visível na enorme fortaleza do Monte Brasil, na cidade de Angra do Heroísmo. São três quilómetros quadrados de área e mais de 4 Km de muralha contínua mandados edificar por Filipe (II de Espanha e I de Portugal) num esforço construtivo iniciado logo em 1592 criando o que será talvez a maior fortaleza espanhola em todo o mundo.

O tipo de economia implantado desde cedo levou a que a escravatura não tenha nunca atingido a preponderância que teve noutros arquipélagos atlânticos de colonização europeia.

Com efeito, a par de uma produção de subsistência, os Açores acrescentam, a partir dos inícios do Séc. XVI, à produção maciça de trigo iniciada no século anterior, a das plantas tintureiras do Pastel e da Urzela destinados principalmente à Flandres, França e Inglaterra. A prestação de serviços aos navios e viajantes é no entanto, entre os Séculos XVI e XVIII, um dos principais motores da economia.

O fim da união ibérica em 1642 reduzirá de forma substancial o papel de entreposto das ilhas dos Açores, de alguma forma substituído durante o Século XVIII com a passagem do oiro do Brasil e com a criação da Capitania Geral dos Açores determinada pelo Marquês de Pombal, Primeiro Ministro de D. José I.

É nesse tempo que a emigração açoriana para o Brasil ocupará os territórios deixados vagos pelo reacerto de fronteiras entre as colónias portuguesas e espanholas do Brasil, Argentina e Paraguai, surgindo também outra corrente dirigida para os portos americanos da costa leste, apoiada na caça à baleia.

O aparecimento da navegação a vapor, a independência das colónias na américa e a formidável concorrência das companhias holandesa e inglesa das Índias Orientais cujo efeito se vinha acentuando desde 1600, deteminam, no primeiro quartel do Séc. XIX o fim do papel de entreposto.

As novas potências emergentes rápidamente se apercebem do posicionamento estratégico dos Açores. Primeiro os ingleses que procuram garantir o uso amigável dos portos das ilhas como parte da gestão dos interesses britânicos na Argentina. A produção de laranja com destino à Inglaterra, que nos Açores explode em crescendo acentuado, vai ajudar sobremaneira essa intenção.

Já no Século XX, os Estados Unidos da América depois de uma primeira experiência durante a Primeira Guerra Mundial, irão instalar uma vasta estrutura de apoio no quadro de acordos bilaterais estabelecidos com Portugal.

Actualmente o Arquipélago tenta sair de uma dependência demasiado forte do sector agro-pecuário para uma aposta no turismo ambiental, Cultural e de qualidade.

Culturalmente, os habitantes dos Açores mantém vivas muitas tradições e costumes já desaparecidos ou moribundos no continente europeu, como sejam as manifestações de teatro popular durante o Carnaval com “danças” e “bailinhos” fortemente críticos do ponto de vista social; touradas à corda, na melhor tradição mediterrânica; e, com pleno fulgor , as celebrações e festividades em honra do Senhor Espírito Santo. Nestas últimas, que acontecem pelo Pentecostes, quase todas as comunidades das ilhas, organizam festas cujo mote principal é a partilha e a celebração comunitárias sob a égide do Espírito Santo.

Um diálogo com o território, a que talvez não seja estranha a forte componente Franciscana dos primeiros tempos do povoamento, deu origem, assim, a um arquipélago onde o equilíbrio existe ainda em larga escala, estabelecendo já a ponte com as novas gerações ecologistas.

Francisco R. Maduro-Dias
Historiador e museólogo. Responsável pela implantação do Gabinete da Zona Classificada de Angra do Heroísmo – centro histórico tombado na lista do Patrimônio Mundial da UNESCO e actualmente Diretor do Museu de Angra do Heroísmo.

Este texto é propriedade do Eurisles, conheça o representante do Eurisles nos Açores.

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