A benzedura, a universidade e a tradição popular: uma reflexão.
Capa de livro com coletânea de histórias de benzedeiras e benzedores de Florianópolis – SC.
É recorrente no cenário popular catarinense o aparecimento da Benzedura: como história, saber e solução. É história para os mais jovens. É saber para os benzedores e, sobretudo, para as benzedeiras, que carregam nas costas a permanência dessa tradição; que por sua vez também é solução para aqueles que acreditam na cura de cobreiro, de zipra e da dissolução da tradicional cultura popular frente à importação cultural.
“Eu é que te benzo, Deus é quem te cura” revela uma oração escrita em folha de papel de autoria desconhecida. O ato de benzer traz a tona uma serie de questões para além da benzedura em si; o caráter místico e/ou religioso, assim como o caráter popular de determinada tradição comumente nos leva – aqueles atrelados ao rigor acadêmico – a uma batelada de enganos e suposições. Se tratando de ciência, a forma religiosa e a ausência de formação acadêmica das benzedeiras e dos benzedores aparecem como um empecilho para o processo de cura. O que se tem por evidente é que a benzedura não substitui qualquer tipo de orientação médica profissional; contudo, o conhecimento popular não deve ser tratado como puro misticismo anticientífico. A utilização de plantas, chás, pomadas e outros recursos carregam um caráter medicinal que advém da experiência e da tradição e que, ao haver proximidade com a pesquisa e a ciência, adquirem uma validade científica, rompendo com os grilhões da alienação acadêmica. Nesse sentido, é dever da própria academia conferir, na medida do possível, as bases para a aceitação do conhecimento popular.
Outra barreira que a benzedura rompe é a segregação religiosa. Comumente, em tempos sombrios, parece haver uma batalha entre as religiões, sobretudo contra a plena aceitação das religiões de matriz africana. Em meio aos morros e as praias do litoral catarinense, a tradição açoriana abraça a primeira vista, principalmente, a população “nativa” e católica – constantemente associada à figura do “manezinho” – que em uma mão carrega um crucifixo e em outra uma tarrafa, mas também abraça aqueles que têm em suas estantes as figuras dos santos e os tambores de axé. É diante de tal realidade que vemos tanto o exemplo do seu “Chico da Luz”, morador do Campeche há mais de 70 anos, católico e benzedeiro, quanto da dona Enaide, moradora do Morro do Céu e de dona Claudete do Morro do Mocotó, benzedeiras e curandeiras que, respectivamente, preservam a memória do povo preto e da Umbanda, ao se utilizar de guias e santos. Não é demandado tanto esforço, portanto, para enxergar o poder, que é material, concreto, social do ato de benzer; a tradição rompe os muros da universidade, aproximando a população originária da ciência, assim como as diferenças sociais. Eis o motivo da necessidade incessante de se preservar a cultura açoriana e assegurar os direitos do povo originário.
Bibliografia:
FRANÇA, Maria da Conceição Fernandes de et al. SABERES QUE CURAM: A BENZEDURA COMO TRADIÇÃO POPULAR. Revista Includere, Mossoró, v. 1, p. 271-273, 2016.
NERY, Vanda Cunha Albieri. Rezas, Crenças, Simpatias e Benzeções: costumes e tradições do ritual de cura pela fé. In: VI Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom, 2006, Uberlândia/MG. Anais. Uberlândia/MG: 2006.
Costa EP. Benzedeiras no sistema oficial de saúde do Ceará: relações entre religiosidade e medicina popular [internet]. [dissertação]. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie; 2009. 43 f. [acesso em 2019 abr 21]. Disponível em: http://tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/2534/1/Elizabeth%20Parente%20Costa.pdf
» http://tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/2534/1/Elizabeth%20Parente%20Costa.pdf